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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Encontro no bar

Lopes saiu do taxi e botou os pés no asfalto quente. Nem mesmo a noite fora capaz de dissipar o calor que flutuava perdido entre as ruas e os prédios. Andou a passos largos por uma calçada deserta e decidiu parar ao lado de um boteco, onde dois velhos jogavam sinuca e três companheiros tragavam cigarros e generosos goles de cerveja ao redor de uma mesa de plástico. Não havia placas de “proibido fumar”. Adentrou e sentiu-se bem. A televisão, pendurada perto do teto graças a um suporte metálico enferrujado, entoava o som ambiente. Um jogo de voleibol feminino estava sendo transmitido, narrado em tom empolgante. As paredes descascadas estavam parcialmente cobertas por cartazes de açougues e chácaras de aluguel e Lopes jurou ter visto o anúncio de um concerto sinfônico, mas preferiu não obter confirmação.    
Quando bateu o olho no responsável pelo recinto, logo reconheceu o velho amigo.
- Gomes, é você?
- Ora, ora. Veja quem vem por aí. Lopes, o mais recente milionário da cidade. Por onde tem andado, seu porco magricelo?
- Não estou nem um pouco perto de chegar lá. Ainda não – riu Lopes, continuando a piada do velho amigo. – Mas milionário eu sou.  
Cumprimentaram-se com um sonoro encontro de mãos. Gomes estapeou-o amigavelmente no ombro e depois ambos se abraçaram por cima do balcão engordurado. Lopes jogou-se no banco de madeira cuja altura impedia-o de tocar o chão com os pés. Solicitara uma dose de Jack Daniels e o amigo prontamente atendeu-lhe. Conheciam-se há muitos anos, mas Lopes não se lembrou de quando diabos Gomes transformara-se em balconista de boteco sujo. Resolveu perguntar.
- Desde quando você ajuda os velhos a se embriagarem?
- Há alguns meses. É tranquilo. E tranquilidade é tudo o que sempre pedi. Você sabe.
- Não sei como você consegue. Eu já prefiro a correria. As reuniões de negócios. A chance de ganhar muito dinheiro e, de fato, ganhar muito dinheiro – disse Lopes como se estivesse abrindo seu coração. – Essa vida de empresário não é fácil. Mas, assim como você acabou de dizer, é tudo o que sempre quis.
- Então a empresa que você abriu ano retrasado é um sucesso? – indagou Gomes.
- Eu já lucrei muito. Mesmo com impostos extorsivos, e essa crise do Euro obstruindo minhas máquinas, eu posso dizer que o negócio caminha no rumo certo. É um sucesso parcial, digamos.  – Gabou-se Lopes, que já havia enxugado o copo, pronto para mais uma dose.
- Mas por que parcial?
- Gomes, um conquistador é feito de ambição, não de conforto. Quando eu consigo dez mil, logo em seguida vou querer vinte mil. Não se trata de ganância, mas sim de talento para a vitória. Nada mais do que a arte da superação constante. Por isso sempre estarei satisfeito apenas parcialmente. Para que eu possa sempre querer mais.
 - Então sua ambição não encontra limites, pode-se dizer?
- Exato.
Lopes puxou um cigarro do bolso e acendeu ali, enquanto servia-se de mais uma dose de uísque. Não chegou a notar a entrada de dois sujeitos corpulentos cujos olhares inquisitórios observavam o bar por debaixo de bonés escuros. Os dois sentaram-se num canto pouco iluminado e nada solicitaram ao balconista. Enquanto isso, Lopes traçava um discurso sobre como obter sucesso profissional comportando-se como um tigre selvagem. Sua eloquência foi interrompida por uma questão afiada de Gomes, que já havia notado a presença de gente perigosa por perto.
- Lopes, você já cometeu algum crime?
Lopes engasgou-se com a bebida alcoólica e forçou um risinho sem-graça.
- Que pergunta cretina, Gomes. Estou falando de sermos ambiciosos, mas não ao ponto de prejudicar alguém. A propósito, o sucesso é mais gostoso quando é honesto.
- Você já cometeu alguma infração para poder comparar?
- Não, por que está insistindo nisso? Não fiquei milionário enfiando cano na cara de ninguém. Nem pretendo.
- Isso é bom. Ao menos mostra o quanto você considera o próximo. Nem todos nós somos assim.
- Pois é – concluiu Lopes, dando de ombros para aquele assunto desconfortável. Achou esquisita a repentina mudança de postura em Gomes. Nunca lhe havia questionado daquela maneira. O que haveria acontecido?
Foi então que Lopes notou o olhar estático e sem emoção do amigo, como se ele não possuísse vida. Virou-se para trás e detectou dois homens com posturas agressivas se aproximarem. Optou por não se mexer e manter a calma. Nada aconteceria de tão grave em um botequim de esquina. Aqueles dois sequer assemelhavam-se a bandidos armados. Eram grandes e ameaçadores, mas não sacariam um revólver por dinheiro. E mesmo se o fizessem, Lopes não andava de carteira cheia pelas ruas. Respirou fundo.
- Aí, Gomes. Tudo tranquilo? – iniciou um dos homens de boné.
- Tudo na maravilha. Não vieram cedo demais? – Indagou Gomes de volta.
Lopes permaneceu calado. Gomes e os grandalhões se conheciam? Acalmou-se aos poucos e sorveu mais um gole de uísque. Não precisava se preocupar. Lopes já estava quase relaxando quando notou a armas que os homens portavam, presas às cinturas. O coração disparou.
- Viemos cedo para coletar. Você sabe que nosso silêncio custa caro, então traga logo a merda da grana - bufou o homem da frente, encarando Gomes com um olhar nada amigável.
- Aqui está – Gomes entregou um bolo de notas amassadas nas mãos do sujeito. – Agora vazem daqui, os dois.
- É um prazer fazer negócios com você, Gomes – ironizou o homem que logo em seguida virou as costas e se afastou com um sorriso desdenhoso.
Quando resolveu espiar os dois se afastarem, Lopes já estava suando feito bicho enjaulado em dia de verão. Percorreu o bar com os olhos e notou, curioso, que as pessoas haviam evaporado. Não sobrara nem rastro dos velhos da sinuca ou dos três beberrões da mesa de plástico.
- Então, o que aconteceu com o tigre selvagem? – perguntou calmamente Gomes, sem uma única expressão no olhar.
- São fortes e... conquistadores. Como deveríamos ser. – respondeu Lopes, pouco seguro do que acabara de falar.  
- Não é o meu perfil. Conheço outros métodos para ficar milionário.





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