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domingo, 11 de dezembro de 2011

Vida simples

José era um cara que gostava da coisa simples. Amava um rock antigo dos anos 60, mas não compreendia muito bem a música pop atual, toda cheia de high definition e performances circenses. Uma suave guitarra o deixava mais feliz que um amontoado de efeitos sonoros. Violão e voz podem superar artisticamente até o mais arranjado e complexo corpo musical. E era neste tipo de coisa que José acreditava. Ele estendia essa interpretação para além da música. O cara tinha uma capacidade sobre-humana de enxergar a leveza e estupidez do mundo com um olhar que só mira a simplicidade do universo.

Ele, por exemplo, estava convicto de que muito dinheiro traria mais problemas que soluções. Ter que administrar uma conta bancária recheada, lidar com um bando de bajuladores e, ainda, experimentar um círculo de invejosos, bem, digamos que isso não era o seu ideal de vida. José também não pretendia viver sob a custódia de um patrão qualquer. Passar horas do dia como subordinado de outro ser humano era um cenário que não poderia por muito tempo ser sua realidade. E, de fato, não foi.

José partiu cedo para um esquema tático simplificado. Vender água de coco e milho verde na praia durante o verão; contrabandear perfume e bebida alcoólica no Paraguai durante o inverno. Sustentava assim uma existência de poucas obrigações e considerável tempo livre para desfrutar do lucro obtido em alguns meses de trabalho. Não deu muita bola ao papo de que é preciso estudar feito burro de carga para se alcançar um objetivo de vida. Só bastava encaixar a função às habilidades.

No âmbito da crença, José também tinha uma fé bastante simples. Dizia-se cristão católico em público, mas só ia à igreja em casamento e batizado de sobrinho. Domingo cometia o pecado da preguiça. Desde pequeno fugia da obrigação de frequentar a igreja e partia pra jogar bola com os amigos e colegas. Depois ia pedir perdão para o padre. Pagava os pecados com dez “Ave Maria” e cinco “Pai Nosso”. O sistema compensava. Quando a coisa apertava e o medo primitivo batia, ele rezava com suas próprias palavras e pensamentos para obter uma resposta mais personalizada de Deus. Pensou em proclamar-se ateu por achar Deus muito complicado. Para José o divino devia ser mais simples e menos cheio de dogmas sem sentido.

José era afeito da simplicidade até o último fio de cabelo. Para que complicar demais quando é mais fácil manter-se simples? Não era capaz de administrar bem suas coisas, mas sempre sabia a saída para qualquer problema. Ele costumava interpretar a realidade urbana corrida como fruto de uma mentalidade coletiva obcecada e insatisfeita. Se esse povo todo vive correndo atrás de sucesso e realização pessoal, é porque eles ainda não acharam o que estão procurando. Já José estava satisfeito com seu mundo simples. Um mundo simplificado pela tola sabedoria de alguém que ignora o supérfluo e só mantém o essencial. E de alguém que pouco se importa com a opinião alheia. 

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